quinta-feira, 16 de julho de 2009

Loucuras das Américas


A imagem acima retrata fielmente o que é uma decisão de Taça Libertadores da América, a sedutora e cinquentenária competição continental, conhecida pelas altas doses de técnica, garra, violência e loucura, aparentemente retiradas de ocultas páginas literárias do mais genuíno realismo mágico de Gabriel Garcia Marquez.

A primeira etapa era tensa, truncada, com faltas duras e poucas oportunidades de gol, quando Perez sorrateiramente decidiu acariciar a face de Kleber, levando ao desespero a futura esposa do temperamental atacante, certamente preocupada com o visual de seu cônjuge na cerimônia matrimonial da sexta-feira. O tumulto que antecedeu o mimo resultou em cartões amarelos para o próprio Kleber e para Verón, ilustrando o clima de profundo suspense e agressividade que envolveu toda a decisão.

Uma decisão que teve uma insana primeira partida na Argentina, vice-líder no ranking de casos de gripe suína em todo planeta, mas detentora de grande força política na alta cúpula da Confederação Sul-Americana. A impecável atuação do goleiro Fábio garantiu a expectativa para a partida da volta, com cenas pitorescas em meio às gigantescas filas que se formaram pela capital mineira. Donzelas com barrigas postiças, velhinhos profissionais, velozes deficientes físicos e os tradicionais cambistas safados e devidamente espancados, atraíram as atenções, ao lado de inúmeros torcedores frustrados, certamente distantes do rol de amiguinhos de dirigentes e governadores egocêntricos.

A legião de fanáticos argentinos, cerca de 3.500 cidadãos, chegou a Belo Horizonte, causando o pavor das autoridades sanitárias. A delegação do Estudiantes se refugiou em um hotel distante do epicentro do evento, o que não impediu de ser carinhosamente recepcionada por torcedores atleticanos. Na iminência do confronto, os argentinos foram encaminhados ao Mineirinho, para um surreal exame médico coletivo que verificaria a existência de algum portador da malfadada gripe. Evidentemente, a consulta não ocorreu e todos foram liberados para o duelo, simulando espirros enquanto se aproximavam do colosso da Pampulha. Já dentro do estádio, as ironias deram lugar aos incessantes cantos que fortaleceram ainda mais o ambiente de magia de uma final de Libertadores.

Após uma etapa inicial ditada pelo temor recíproco, pelos socos e empurrões, o segundo tempo teve mais ousadia e futebol, teve o êxtase celeste com o longo disparo de Henrique, anotando um gol que por efêmeros instantes ofereceu à torcida a certeza da conquista continental. Mas em meio ao hostil cenário de euforia incontida, a frieza do Estudiantes impressionou a multidão. O time argentino manteve intacto seu plano de jogo, cadenciou o confronto, trocou passes, aliou um jogo físico e mental que arrefeceu a euforia dos locais com um avanço pela direita finalizado com perfeição pelo atacante Gaston Fernandez. Após o empate, o bloqueio a qualquer tentativa de invasão da área argentina seguiu perfeito, o Estudiantes, inspirado pela atmosfera de silêncio e medo que assolou o Mineirão, passou a dominar e gradualmente a sufocar o adversário, guiado pelos passos de Juan Sebastian Verón.


O gol da reviravolta, o cabeceio certeiro de Mauro Boselli, apenas materializou o destino que em vermelho e branco anunciava o novo campeão da América. O Cruzeiro, o time que recebeu o governador playboy e pé-frio no vestiário para as últimas palavras antes do confronto, se desesperou, buscou alternativas, improváveis atalhos, mas não teve forças para transformar a pungente realidade. O apático e já benfiquista Ramires se despedia melancolicamente, Kleber sucumbia à marcação, os laterais eram fantasmas sorumbáticos...

O esforçado Tiago Ribeiro, que entrara na lacuna de Wellington Paulista, ainda quase arrancou o travessão em potente disparo, antes de perder nova chance dentro da área inimiga e sepultar de vez a esperança da ressurreição. Em Betim, região metropolitana de Belo Horizonte, uma mãe cruzeirense, irritada com a discussão entre o filho atleticano e a nora celeste, arrancou um pedaço da orelha do coitado com seus inofensivos caninos.


No antes maldito Mineirão, a magia (alvi)negra da Brujita, com pitadas de força e organização, agarrava com veemência o tão desejado troféu, iniciando uma ruidosa celebração que não poupou o teto do vestiário e varou a madrugada marcada pela tradicional depredação de 48 ônibus em diferentes pontos da cidade, num prejuízo estimado em setecentos reais por veículo. Já na Argentina, a carreata dos vencedores contou até com a insólita presença da bandeira atleticana.

A partir de agora, o Estudiantes lutará para chegar forte a Abu Dhabi, superando as inevitáveis perdas de atletas na sequência da temporada. Já o Cruzeiro terá que se contentar com seus desafios domésticos, superar as acusações de soberba, se recuperar na tabela do Campeonato Brasileiro e fixar objetivos que mantenham vivo o interesse e a fé de seu frustrado e naturalmente ambicioso torcedor.

No domingo, enfrenta o Corinthians de Ronaldo, num Mineirão ainda sob os efeitos do grande fracasso, seguido da bela atuação atleticana diante do São Paulo....aguardemos o número de testemunhas.

Um comentário:

  1. percebe-se um pinguinho de fanatismo nesse post, ao contrario dop post do classicomas claro q se o time estrelado tivesse ganho, nao seria assim tao perceptível

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