quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Varandão da saudade 2


O Brasil enfrenta a Estônia nesta quarta-feira, mas o o que realmente importa é que o Kaká se perdeu pelas ruas de Tallin (foto acima), durante um passeio pela capital estoniana. Como é um rapaz dócil e ingênuo, a notícia não gerou sequer maldosas insinuações, apenas gracejos marotos.

O turista tupiniquim, provavelmente chupando balas de caramelo enquanto se deliciava com um lindo algodão doce, resolveu caminhar pela parte antiga da cidade, desvendando os seus mais profundos mistérios. No entanto, após altas confusões com uma turma do barulho na maior curtição, não soube voltar ao hotel.

Kaká, inspirado pela ilibada bispa Sônia, fez uma oração e logo uma patrulha da polícia surgiu, conduzindo o garoto até o hotel Raddison, onde se encontra a delegação
.

A notícia acima me fez relembrar outro texto antigo que resgato a seguir. Foi publicado em março de 2006, em meio a um bizarro amistoso da seleção brasileira, em pleno inverno moscovita. Brasil x Rússia. Diante de um cenário gélido e inóspito, já parecia evidente que a patética preparação de Parreira e seus "comandados" não escaparia de um derradeiro e retumbante fracasso poucos meses depois em gramados germânicos.

No texto em questão, assim como o menino Kaká, outro garoto acaba se separando da delegação em busca de aventuras. O leste europeu, seja ele Tallin, seja ele Moscou, deve ser irresistivelmente sedutor... Acompanhe...



Só sei que o Inverno russo pega, mata e come. Fundamentalista, nunca suportou a indiferença alheia e sempre exigiu aquela forma de respeito que se confunde com o mais puro e simples temor. Puritano, sempre ostentou os temíveis números negativos que se acostumaram a conferir um visual homogêneo e melancólico à eterna paisagem do leste europeu. Além disso, também passou a ditar uma moda que, se por um lado é até elegante e sofisticada, por outro, não excitaria sequer os padres de Boston ou de outras paróquias menos cotadas.

Definitivamente, um cenário que fascina e intimida. Mas claro, um cenário que nenhum cidadão russo com um pingo de conhecimento histórico seria capaz de condenar sua inabalável ferocidade, nem mesmo após uma bela e voraz sessão etílica. Afinal, se não fossem sua volúpia e intensidade, talvez hoje a suástica imperasse e a Rússia não passasse de um grande campo de concentração. Isso sem citar também Bonaparte. Ponto final. Esses argumentos bastam por toda a eternidade. Passa pelo sentimento de gratidão. É isso mesmo, além de respeito, ele exige idolatria, com imensas e gélidas mãos de ferro.


Por isso, é evidente que ele se sentiu gravemente ofendido quando soube pelos jornais oficiais do governo, que dezenas de brasileiros embarcariam na capital russa para jogar uma partida de futebol. Não era possível. Atenção para o incidente diplomático. Figuras tropicalistas ousavam desafiar uma instituição nacional e contrariar a moda vigente, brindando a monótona paisagem com promessas de instantes de fantasia e ilimitada diversidade de cores. Não, isso era a humilhação. “Enquanto eles estiverem aqui, Moscou vai virar Sibéria e a Sibéria vai virar Moscou”, imediatamente sentenciou o irado Inverno russo. Pobre coitado, ele foi humilhado com a inesperada reação alheia.


Confinados no hotel, os tropicalistas festejaram a impossibilidade de treinar. Apesar da ausência de Ronaldinho, organizaram um grande carnaval; cantaram melódicos pagodes; saudaram o fim do comunismo com uma oração ministrada por Kaká; compararam seus novos relógios, correntes, lap tops, e aproveitando que Parreira se trancara no quarto com Ricardinho, Bueno, Carvalho e afins, se acabaram em divertimentos ao lado das Kareninas, Sharapovas, Myskinas ,Dementievas e mais algumas Putins. Até Ronaldo estava se movimentando bem. Sim, o poder de adaptação tupiniquim é superior aos tais nazis.

Deprimido com o fracasso instantâneo de sua ira, o Inverno foi em um busca de um “odivã”, provocando a total inutilidade dos dois primeiros parágrafos escritos aqui, que enalteciam seu poder inabalável.Transtornado, ele sequer percebeu quando o Velho Lobo, encarnando o animal siberiano, discretamente ganhou as ruas de Moscou e o enfrentou como quem nostalgicamente driblava e vencia novamente os defensores soviéticos, franceses ou suecos. Zagallo não queria estar ao lado de Parreira e nem dos festivos jogadores. Ele desejava a solidão. Zagallo seguia em seu passo lento e decidido a caminho da Praça Vermelha.


Ele tinha um encontro marcado com seu sonho póstumo. O desejo pela eternidade. Desejo sempre estampado em um semblante de inveja quando se imaginava diante do mito. Diante do insepulto Wladimir Lênin. Isso mesmo. Treze letras. Wladimir Lênin. O líder soviético embalsamado e residente em um mausoléu na Praça Vermelha desde 1924.

Zagallo também desejava o mesmo destino para ele; seu corpo seria cuidadosamente embalsamado em um mausoléu diante da casa de Juca Kfouri, um segredo que havia sido cruelmente desfeito por Rogério Ceni. Isso mesmo. Anos atrás, o Velho Lobo confiara inexplicavelmente no goleiro tricolor, confidenciando o exótico desejo e pedindo sigilo absoluto. No entanto, Ceni o delatou para vários colegas, causando a ira do Lobo e a solidariedade de Parreira, que passou a rejeitar a convocação do rapaz para a Copa. Enfim, são os bastidores do futebol, meus amigos.


Mas voltando ao cerne da questão, eles já estavam frente a frente. Sim, dois históricos nacionalistas. Zagallo enrubesceu de emoção e Lênin (jogador de basquete nas horas vagas como destacado na foto acima), aproveitando-se da solidão do recinto, graças à retirada da outrora permanente guarda de honra, iniciou o breve diálogo que é transcrito a seguir por mais um jornalista desempregado que transcreve fitas:

Lênin: Oi

Zagallo: Oi

Lênin: Hummm... Isso aqui virou uma Sibéria hoje. Nunca senti tanto frio em toda minha vi...quer dizer...Afinal, onde está o tal aquecimento global? rs

Zagallo: Não sei, mas me diga. O senhor se sente mal?

Lênin: Claro que sim. Queria estar em São Petersburgo, ao lado de mamãe. Mas o maldito Joseph me colocou aqui.

Zagallo: Sim, entendo o amor por sua mãe. Mas me fale um pouco sobre como tem sido sua vi...sua experiência aí.

Lênin: Não entendo seu interesse. Mas...tudo bem. Tem sido uma desgraça. Primeiro, quando me embalsamaram, me molestaram e ainda hoje desconfio de um sujeito com olhar malicioso.Bom, acho que já morreu.. Desde então...toda semana tenho que mergulhar o rosto e as mãos em um liquido terrível e uma vez por ano, tenho que mergulhar nesse mesmo liquido. É pior que aplicação de botox. Enfim...é a morte.

Zagallo: E o que o senhor sentiu com a queda do muro de Berlin?

Lênin: Seu imbecil! Não tenho nada com isso. Quando levantaram eu já estava por aqui.

Zagallo: Perdão. Nunca fui bom em Engenharia. Sempre gostei de futebol e fui soldado na adolescência. Estava inclusive na final da Copa de 50 quando...

Lênin: Sim,eu sei, eu sei ! Até eu já ouvi essa história!

Zagallo: Desculpe... Mas queria dizer que apesar de tudo me sentiria orgulhoso no lugar do senhor. Afinal, o senhor é um símbolo para inspirar gerações de jovens. Como gostaria de transmitir meu amor pelo verde e amarelo, pela amarelinha, pelo meu Brasil penta campeão

Lênin: Ah...você é do Brasil? Sim, ouvia falar muito de seu país quando estava no comando.Vocês já resolveram o problema da febre amarela, das fraudes eleitorais, da pobreza?

Zagallo: Não, ainda não.

Lênin:hauahahahahhauhahhahahahh

Zagallo: Ei...respeite o verde e amarelo!

Nesse instante, os dois jovens partiram para o confronto físico. Logo foram separados por agentes do outro Vladimir, o Putin. Zagallo, alucinado, foi encaminhado para local desconhecido, vociferando que todos teriam que o engolir. Já Lênin foi enclausurado por tempo indeterminado em seu mausoléu, por indisciplina flagrante. Esse fato lamentável fortaleceu a corrente governista que defende a transferência do corpo do ex-líder para São Petersburgo ou para a República da Kalmykia, no sul do país.

Poucos minutos após o incidente, o Inverno, percebendo a ineficiência de sua irada ação, arrefeceu, voltando ao conhecido nível moscovita. Carlos Alberto Parreira foi logo informado e imediatamente convocou os atletas para o treinamento no Lokomotiv Stadium. No entanto, ao tomar conhecimento da orgia que rolava no hotel, o senhor Pé de Uva exigiu que fossem ditos os nomes dos responsáveis. Com o silêncio geral, Ricardinho pediu a palavra e disse que a responsabilidade era toda de Rogério Ceni. Tudo ficou bem. Fique com a ficha técnica:

RÚSSIA 0 X 1 BRASIL

Local: estádio Lokomotiv, em Moscou (Rússia)
Data: 1º de março de 2006, quarta-feira
Horário: 13h (de Brasília)
Árbitro: Massimo Busacca (Suíça)
Gol:
Ronaldo, aos 14 minutos do primeiro tempo
RÚSSIA
Akinfeev; Aleksei Berezutski, Vasili Berezutski, Ignashevich e Zhirkov; Loskov (Bilyaletdinov), Aldonin, Smertin e Aniukov; Arshavin e Kerzhakov. Técnico: Alexandr Borodiuk
BRASIL
Rogério Ceni; Cicinho, Juan (Cris), Lúcio e Roberto Carlos (Gustavo Nery); Émerson (Gilberto Silva), Zé Roberto, Ricardinho (Edmíslon) e Kaká (Juninho); Ronaldo (Fred) e Adriano. Técnico: Carlos Alberto Parreira